* Letícia Paula de Souza Campello
Introdução
O IFRS 16
transformou a forma como as empresas contabilizam contratos de arrendamento,
exigindo o reconhecimento de ativos e passivos relacionados, mesmo em contratos
anteriormente classificados como operacionais.
Para analistas de
crédito, investidores e profissionais de finanças, entender os impactos dessa
norma vai além do compliance contábil. É uma questão de precisão na leitura dos
números — e, principalmente, de tomada de decisão com base em demonstrações que
reflitam a essência econômica das operações.
Neste artigo,
abordo a importância da reclassificação contábil de itens do IFRS 16,
especialmente quando envolvem custos de produção e construção de ativos
qualificáveis, com foco em sua aplicação na análise de crédito.
O que o IFRS 16 mudou
Desde sua adoção,
o IFRS 16 eliminou a distinção entre leasing operacional e financeiro, trazendo
para o balanço dois novos elementos:
·
Um ativo de direito de uso, que
representa o direito de utilizar o bem durante o contrato;
·
Um passivo de arrendamento, que
representa a obrigação de pagamento.
Esses lançamentos
impactam diretamente o EBITDA, lucro líquido, índices de endividamento e outras
métricas relevantes — o que exige atenção redobrada ao interpretar os dados
financeiros de empresas com grande volume de arrendamentos.
Por que reclassificar?
Embora o
reconhecimento inicial esteja alinhado à norma, há casos em que se torna
necessário reclassificar parte desses lançamentos para fins analíticos —
sobretudo quando o ativo arrendado está envolvido em atividades de produção de
estoques ou na construção de ativos qualificáveis.
Exemplo prático:
Se uma empresa
arrenda um equipamento para uso contínuo em sua linha de produção:
·
A depreciação do ativo de direito de
uso deve ser alocada como custo dos produtos fabricados, e não como despesa
operacional;
·
A despesa financeira do passivo de
arrendamento pode ser capitalizada, desde que diretamente relacionada, conforme
previsto na IAS 23.
Essa
reclassificação melhora a alocação dos custos, a comparabilidade entre empresas
e a análise da eficiência operacional.
Aplicação prática na análise de
crédito
Na avaliação de
crédito, esses ajustes são fundamentais para:
·
Avaliar corretamente a geração de
caixa operacional;
·
Entender o verdadeiro nível de
endividamento;
·
Corrigir distorções em indicadores
financeiros;
·
Melhorar a comparabilidade com
concorrentes do setor;
·
Identificar riscos associados a
compromissos financeiros futuros.
Muitas vezes,
esses ajustes são realizados manualmente em planilhas, com base em notas
explicativas, cronogramas de pagamento e premissas de uso dos ativos.Conclusão
A correta
interpretação e reclassificação dos impactos do IFRS 16 elevam o nível técnico
da análise financeira.
Mais do que
atender a normas contábeis, trata-se de buscar uma visão realista e econômica
da empresa avaliada — essencial para decisões de crédito, investimentos e
estratégias de risco.
Sobre a autora
* Letícia Paula
de Souza Campelo é formada em Ciências Contábeis pela USJT, com pós-graduação
em Produtos Financeiros e Gestão de Risco pela FIA. Atua no mercado financeiro
desde 2014, acumulando mais de uma década de experiência em análise para
concessão de crédito, monitoramento de crédito e gestão de risco. Atualmente é
analista de crédito no Banco ABC Brasil, responsável pela análise de crédito de
empresas de diversos setores. Tem forte interesse em contabilidade aplicada à
análise financeira e na melhoria contínua da qualidade das decisões de crédito.
·
IASB – International Accounting
Standards Board. IFRS 16 – Arrendamentos. Londres, 2016. Disponível em:
https://www.ifrs.org/
·
IASB – International Accounting
Standards Board. IAS 23 – Custos de Empréstimos. Londres, 2007. Disponível em:
https://www.ifrs.org/
·
CFC – Conselho Federal de
Contabilidade. NBC TG 06 (R2) – Arrendamento Mercantil (equivalente ao IFRS
16). Brasília, 2019. Disponível em: https://www.cfc.org.br/
·
CVM – Comissão de Valores Mobiliários.
Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 02/2019. Esclarecimentos sobre aplicação do IFRS
16. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/
·
IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu;
GELBCKE, Ernesto Rubens. Contabilidade Introdutória. 11ª edição. São Paulo:
Atlas, 2022.
·
SCHRICKEL, Wagner Giovanini. Análise
de Balanços para Crédito e Investimento. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2020.
·
SILVA, Alexandre Assaf Neto. Estrutura
e Análise de Balanços. 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2021.