Dando continuidade à discussão sobre o processo de profissionalização da ocupação contábil no Brasil, além das relevantes contribuições da Associação dos Guarda-Livros da Corte, destacou-se também o Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. Ao realizar uma coleta de dados em acervos digitais, foram identificadas quatro edições (1ª, 2ª, 3ª e 8ª) da Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. Nesse sentido, esta coluna dedicada ao Grêmio centrará principalmente em reflexões sobre o conteúdo do periódico de sua propriedade.


 Figura 1. Capa da Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo

Fonte: Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. p.1, 5ª ed., 1896. https://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-gremio/815080


A Revista do Grêmio dos Guarda-Livros destaca como seu propósito “Publicação de artigos de interesse commercial ou trabalhos relativos á profissão e á classe, tendo sempre em vista impulsionar todas as medidas que possam desenvolver e fazer prosperar o commercio paulista” (a grafia da época foi mantida, p. 1. 1ª ed., 1896). O periódico era dividido em três colunas, e a assinatura anual era comercializada por 5$000, o que equivale a 416,67 réis mensais. Já o número avulso custava 500 réis (Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo, 1896). Esse valor era superior à média de alguns dos periódicos comerciais que circulavam na mesma época. Por exemplo, o Jornal do Comércio do Espírito Santo tinha um valor avulso de 200 réis, o Jornal do Comércio de Santa Catarina custava 40 réis, e O Mercantil de São Paulo tinha o valor avulso de 60 réis.

Os textos divulgados na revista eram assinados por abreviaturas e/ou nomes de associados ao Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo. Apesar da iniciativa do Grêmio em criar uma revista própria para a divulgação de assuntos de interesse comercial, os redatores revelaram não possuir grande experiência com o processo de produção da imprensa do século XIX. Conforme é evidenciado no trecho da Revista “O Gremio dos Guarda-Livros é uma instituição que começa, e áquelles que o compõe, se lhes sobra a bôa vontade, falta-lhes o tirocínio da imprensa” (grafia da época foi mantida, p.1, 1ª ed., 1896).

Além disso, o Grêmio dos Guarda-Livros aponta que sua Revista se tratava de “Um simples ensaio, destituída de pretenções” (grafia da época foi mantida, p. 1, 1ª ed., 1896). No entanto, ao longo da leitura de seus textos, identificam-se argumentos que defendem a reputação e a dignidade dos Guarda-Livros no comércio, a ordem e os princípios na escrita comercial, e a responsabilidade social dos Guarda-Livros na orientação dos comerciantes (Revista do Grêmio dos Guarda-Livros, 1ª, 2ª e 8ª ed., 1896).

Vale destacar que, no século XIX, o jornal era considerado o principal veículo de comunicação em massa (Sosa, 2006). Assim, a instituição de um periódico revela o interesse do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo em fomentar a divulgação de conhecimentos sobre as práticas comerciais da época, bem como em promover suas ações em benefício da “elevação da classe comercial”. Como evidencia o seguinte trecho da Revista “E' o que ousamos esperar, pois que nos não alimenta outro desejo senão a elevação da classe commercial pelo estudo das multiplas questões que diariamente se suscitam, e de que derivarão naturalmente illustração para ella, e progresso e aproveitamento para o commercio em geral” (grafia da época foi mantida, p. 1, 1ª ed., 1896).

Nesse sentido, a fundação de uma revista pelo Grêmio e o fomento de discussões em defesa dos interesses dos Guarda-Livros na imprensa denotam uma preocupação com o progresso no status social dessa ocupação. A “elevação da classe comercial” era significativa para o desenvolvimento de melhores condições de trabalho, considerando que muitos Guarda-Livros eram também responsáveis pela limpeza das casas mercantis e enfrentavam longas jornadas de trabalho em troca de quantias mínimas pelos serviços prestados (Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo, 1ª ed., 1896). Assim, os sócios defendiam que a agremiação dos Guarda-Livros visava à defesa moral, visto a necessidade diante do contexto do século XIX (Revista do Gremio dos Guarda-Livros de São Paulo, 1ª ed., 1896).

Exemplos de outras ações desenvolvidas pelo Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo incluem o funcionamento de aulas noturnas sobre “Escripturação Mercantil, Arithmetica” e o ensino de línguas, como “Portuguez, Francez, Inglez e Italiano” (a grafia da época foi mantida, p. 7, 2ª ed., 1896). Além disso, a divulgação de conhecimentos sobre a importância da boa caligrafia para a prática de registro comercial também foi uma prioridade, visto que esse era um dos requisitos exigidos para o Guarda-Livros no século XIX. Como ilustra o trecho da Revista “Cultivada principalmente no commercio, não é de somenos importância como parece esta arte, pois se a má collocação de uma vírgula pode transformar o sentido de um período, igual ou maior alteração poderá produzir uma palavra mal escripta, illegível ou de duvidosa significação” (a grafia da época foi mantida, p. 1, 1ª ed., 1896).

Para conhecer na íntegra as quatro edições da Revista do Grêmio e saber mais sobre o processo de profissionalização da ocupação contábil no Brasil, indica-se a consulta do acervo da Hemeroteca Digital do Brasil disponível digitalmente pelo link: https://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-gremio/815080.

 

Referências

Revista do Grêmio dos Guarda-Livros de São Paulo, 1896. Disponível em: https://bndigital.bn.br/acervo-digital/revista-gremio/815080.

Sosa, D. A. C. (2006). Imprensa e história. Biblos19, 109-125.

 

* Thais Lira é doutoranda em Contabilidade no Programa de Pós-Graduação em Contabilidade (PPGCONT) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Contabilidade pelo Programa de Pós-Graduação em Contabilidade (PPGCONT) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Gestão e Negócios pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR). Bacharela em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do Laboratório de Educação e Pesquisa Contábil (LEPEC). Coordenadora Adjunta da área temática de História da Contabilidade do Congresso USP em Contabilidade.